Gente para os centros históricos
Um dia destes, nostálgico, decidi dar uma volta pelo centro histórico de Gaia e do Porto. É a minha zona de conforto. O local onde, às vezes, no vazio, vou carpir mágoas. E, muitas vezes, à procura de encontrar soluções, para um ou outro problema que, aqui ou ali, me apoquente. Ou seja, faço dele, do centro histórico, o meu consultório de psicologia.
De repente dei por mim a olhar. No vazio. Senti demasiada calma. E eu, que fui lá à procura de paz interior, fiquei, de repente, com o coração invadido de tristeza. As ruas estavam desertas. Cheias de casas vazias. Lembrei-me, então, de pelo menos três artigos que escrevi sobre o abandono do centro histórico. Reproduzo, até, parte do último que escrevi a 13 de junho do ano passado:
Mostrei várias vezes por escrito no jornal e não só, a minha discordância contra o facto de se permitir o despejo das pessoas dos centros históricos. Escrevi mesmo que as pessoas é que são a alma dos locais. Uma zona muito bonita, sem gente, perde a sua beleza e, sobretudo, a sua identidade. Disseram sempre que era o progresso. Seria. Mas quem permitiu essa deserção não quis saber que as pessoas são a sua essência. Eles esconderam que a beleza dos locais advém, fundamentalmente, das suas gentes.
Eufóricos com a onda de turistas, não se olhou a meios. Tudo o que era casa antiga, onde morava gente, muita dela que ali tinha nascido e sempre lá tinha vivido, virou Alojamento Local. Era um rodopio de gente a chegar e a sair. Mas gente que, de facto, vinha e ia.
Muito diferente da gente que vive e dá identidade ao local. Gente que molda o seu bairro. Que o defende. Não gente que chega e despeja muitas vezes lá o lixo e se vai embora. Não são só imagens que os turistas procuram. Eles procuram, sobretudo, vivências. O pulsar das suas gentes. A forma como olham a vida. E, quer se queira, quer não, as gentes dos centros históricos, quer o do Porto, quer o de Gaia, são gentes com alma. Gentes de e com tradição. Gentes que vestem no corpo a alegria de pertencerem àquele local. Bairristas. De alma e coração.
E isso, agora, onde está? Ruas vazias. Noites frias, sem que a sua gente as aqueça. Pode ser que os turistas voltem. Espero que sim. Que venham.
Sim, espero que voltem. Mas, mais importante do que a vinda dos turistas, é que façam regressar as gentes que lá viviam. Porque essas, sim, darão sempre vida aos centros históricos. E nunca permitirão que imagens como as que temos visto, se repitam. n